Na manhã seguinte, já era oficial em todo o submarino: aquela encantadora rapariga portuguesa, cheia de curvas e com tudo no sítio , certamente de sangue tórrido, era a namorada attitrée do capitão-de-fragata. Passaram sem mais hesitações nem conversas a partilhar os aposentos dele, e foi-lhe nomeado um maçarico para estar exclusivamente ao seu serviço para satisfazer todo e qualquer desejo da primeira dama durante o longo tédio das viagens debaixo de água. A verdade é que todos os maçaricos se puseram logo em bicos dos pés para serem o feliz eleito, porque assim que esta aventura começou já não havia na tripulação quem não estivesse perdido de amores pela gaja boa do chefe. Até o seu sotaque carregado a tentar falar o alemão que Schubert lhe ia ensinando lhes derretia completamente o coração. Aquela mulher era mesmo uma verdadeira mulher, direita como uma bétula, flexível como um junco, delicada como uma rosa de toucar e forte como um carvalho centenário, ainda por cima exótica como uma palmeira e obviamente disposta a tudo. Até o capitão, regra geral muito estrito nos seus comportamentos e sempre o primeiro a chegar a toda e qualquer formação, com a felicidade deixou abrandar suavemente a impiedade das regras de bordo e passou, por exemplo, a ficar na cama de manhã para tomar o pequeno-almoço com ela num tabuleiro de prata recheado primorosamente pelo maçarico com sorte. Aliás, note-se, de passagem, que o fascínio que Mafalda exercia sobre aqueles homens era tal que acabou por ser preciso rodar os maçaricos de serviço permanente à fraulein dia sim dia não, por forma a todos ficarem satisfeitos e se manter a bordo um ambiente saudável de camaradagem. Chegava ao ponto de, nos momentos de maior delírio nocturno, Schubert lhe ordenar que gritasse, gritasse, que gritasse com toda a força e dissesse palavrões em português – ordens essas que, aliás, Mafalda acatava com todo o prazer. Adorava berrar e dizer palavrões nos grandes paroxismos da penetração, mas sempre lhe tinham dito que isso não era próprio de uma menina tão bem nascida. Agora, longe do mundo e rodeada de homens de uma civilização que lhe era totalmente desconhecida, podia por fim libertar por completo as suas feras e descobrir-se até onde nunca tinha chegado. E para isso Schubert era um parceiro perfeito, porque tinha uma imaginação absolutamente desabrida, não havia nada que não quisesse experimentar, e possuía um apetite aparentemente insaciável. O que nos remete para a tal história dos gritos e palavrões a altas horas da noite. Destinava-se o expediente a permitir que toda a tripulação ouvisse, e assim se lembrasse dos grandes prazeres do sexo, e assim mantivesse a moral elevada e o espírito alegre. Todos sabiam que tinham partido de África para uma missão extremamente perigosa. Quanto mais gozassem durante a viagem, melhor a executariam à chegada. Mafalda estava consciente disto e esmerava-se. Só não se pavoneava nua por todo o submarino porque o chefe era cioso das suas posses e não autorizava.
Bom, a verdade é que se transpirava bonomia a bordo daquele submarino alemão, por muito incompatíveis que estas duas palavras justapostas possam parecer.
Em grande medida, isto estava a acontecer porque Mafalda, ao fim de tantos anos de vários tipos de sofrimento, agora se sentia livre e estava feliz.
Schubert revelara-lhe píncaros de prazer sexual que ela nem suspeitava que pudessem existir. Iniciara-a nos prazeres da liamba, que os alemães traziam de África em grandes quantidades. Mas o crucial da questão ia muito mais fundo que isso, como o sabor incomparável das maçãs de inverno. A sua relação com o capitão-de-fragata completamente estrangeiro libertara-a finalmente de Gonçalo. Chegava a passar dias inteiros sem nunca pensar nele. Quando pensava, era mais na linha de encolher os ombros e dizer para consigo “olha só o que eu sofri por causa daquele palerma daquele missionário que nem sequer me fodia como deve ser”. Contou uma vez a Schubert a história do que fora a grande tragédia amorosa da sua vida, e o capitão-de-fragata comentou que os homens portugueses deviam ter um lado negro ainda mais negro que o dos alemães, proeza nada fácil de atingir.
E não era tudo. Ali, num mundo tão diferente daquele onde nascera e vivera até aí, a executar tarefas de cálculos náuticos para os quais descobriu ter imenso talento, estava finalmente livre de todos aqueles dares e tomares da família, da importância dos apelidos, das regras rigorosas sobre o que é que uma menina de sangue tão nobre faz ou não faz, de tios, e padrinhos, e mãezinhas, e recepções bem comportadas onde servia de papel de embrulho e se aborrecia como um peru em vésperas de Natal. Tudo o que agora notava que lhe pesara nos ombros a vida inteira tinha desaparecido. Estava por fim a descobrir-se a si própria, e a notar que, na realidade, era uma mulher sensual amiga do prazer, naturalmente endorfinada e predisposta para a felicidade, perfeitamente capaz de independência e de progresso intelectual. Era bom. Era mesmo muito bom. Na sua nova condição, Mafalda resplandecia.
Até que Schubert lhe anunciou que estavam prestes a chegar ao tal destino perigoso, e lhe perguntou com a maior delicadeza se ela seria capaz de dar um grande beijo a cada rapaz, para lhe dar coragem.
-- Qual beijo! -- respondeu Mafalda, toda despachada – Faz-se mas é já para aqui uma geral, que eles bem merecem e eu, por ti, não me importo nada desde que estejas a ver.
-- Não – respondeu o capitão-de-fragata com firmeza – O beijo já está mesmo no limite, e é só mesmo porque metade destes rapazes vai morrer de certeza. A geral está fora de questão.
-- Mas porquê? -- perguntou Mafalda, surpreendida com a súbita veemência dele.
-- Porque isso nunca ficaria bem na vida da Senhora Heinrich von Schubert – respondeu ele sem a mínima hesitação.
-- Quem é essa? -- perguntou Mafalda, já muito confusa.
Ele pôs-lhe as mãos nos ombros, puxou-a para mais perto de si e olhou-a firmemente nos olhos.
-- Serás tu a partir de amanhã, se quiseres. Mafalda, estou a pedir-te em casamento. Sempre evitei compromissos com mulheres, mas, desde que te conheci, tudo me leva cada vez mais a crer que, os dois juntos, formamos uma equipa imbatível. Então? Queres ser a minha companheira, amante e amiga durante o máximo de tempo possível?
No dia seguinte Mafalda distribuiu uma generosa rodada de linguados perfumados e saborosos a todos os rapazes, e a seguir foi ao quarto vestir o único vestido branco que trazia nas malas. Por acaso era todo vaporoso, sem alças, e com a saia muito rodada, o que o tornava deveras adequado à situação. Enfeitou-se com o colar de pérolas de quatro voltas, mas depois achou que, para celebrar a sua parceria com aquele homem de acção, devia mas era ir de cabelo solto ao vento, sem qualquer maquilhagem e nem mais uma jóia. A ideia era formalizar a ruptura com a sua vida antes de entrar no submarino alemão.
Schubert esperava-a no deck com a farda de gala, e a boda, celebrada pelo capelão de bordo vestido à civil, foi deliciosa. A marujada estava toda de lágrimas nos olhos. Não puderam trocar alianças, mas fizeram os votos todos. Quando chegou a parte de o noivo poder beijar a noiva depois de oficialmente declarados marido e mulher, toda a gente bateu palmas e desatou a soltar gritos de guerra, depois do que um começou a tocar concertina e os outros se puseram a dançar. Os recém-casados entraram na dança e Mafalda ainda tratou de distribuir mais uns bons linguados às tropas. Noite de núpcias e lua de mel estavam obviamente fora de questão, mas ainda deu para os dois recolherem ao quarto durante três horas. Os outros ficaram cá fora a cantar uma serenata afinadíssima, enquanto eles, lá dentro, completamente pedrados, praticavam sexo tântrico em silêncio absoluto.
Na madrugada seguinte havia terra à vista.
-- Vamos começar o desembarque, anunciou Schubert à sua esposa feliz – O chefe é o último a sair, e, dadas as circunstâncias, é melhor a mulher do chefe vir com ele. Veste uma farda e anda lutar comigo. Tenho a certeza de que te vais sair bem. Até lá, porque favor, fica aqui sossegadinha no quarto e não saias. O Helmut traz-te o pequeno almoço. Mas não metas conversa. Estas manobras são extremamente complicadas e toda a gente tem que estar no máximo da sua concentração para a missão não abortar antes mesmo de começar.
Mafalda, que desde que falava fluentemente alemão andava a devorar o Doutor Fausto com toda a gula e ainda não tinha chegado ao fim, concordou imediatamente. Mas não pôde deixar de perguntar.
-- Ó parceiro, diz-me só o que é que estamos exactamente a fazer, só para eu não meter água.
O feliz esposo encostou-se à porta numa fracção de segundo de hesitação. Depois endireitou-se e olhou para para a mulher resplandecente de orgulho.
-- Estamos a ter o privilégio de sermos os eleitos para iniciar a invasão da Rússia!
Bom, a verdade é que se transpirava bonomia a bordo daquele submarino alemão, por muito incompatíveis que estas duas palavras justapostas possam parecer.
Em grande medida, isto estava a acontecer porque Mafalda, ao fim de tantos anos de vários tipos de sofrimento, agora se sentia livre e estava feliz.
Schubert revelara-lhe píncaros de prazer sexual que ela nem suspeitava que pudessem existir. Iniciara-a nos prazeres da liamba, que os alemães traziam de África em grandes quantidades. Mas o crucial da questão ia muito mais fundo que isso, como o sabor incomparável das maçãs de inverno. A sua relação com o capitão-de-fragata completamente estrangeiro libertara-a finalmente de Gonçalo. Chegava a passar dias inteiros sem nunca pensar nele. Quando pensava, era mais na linha de encolher os ombros e dizer para consigo “olha só o que eu sofri por causa daquele palerma daquele missionário que nem sequer me fodia como deve ser”. Contou uma vez a Schubert a história do que fora a grande tragédia amorosa da sua vida, e o capitão-de-fragata comentou que os homens portugueses deviam ter um lado negro ainda mais negro que o dos alemães, proeza nada fácil de atingir.
E não era tudo. Ali, num mundo tão diferente daquele onde nascera e vivera até aí, a executar tarefas de cálculos náuticos para os quais descobriu ter imenso talento, estava finalmente livre de todos aqueles dares e tomares da família, da importância dos apelidos, das regras rigorosas sobre o que é que uma menina de sangue tão nobre faz ou não faz, de tios, e padrinhos, e mãezinhas, e recepções bem comportadas onde servia de papel de embrulho e se aborrecia como um peru em vésperas de Natal. Tudo o que agora notava que lhe pesara nos ombros a vida inteira tinha desaparecido. Estava por fim a descobrir-se a si própria, e a notar que, na realidade, era uma mulher sensual amiga do prazer, naturalmente endorfinada e predisposta para a felicidade, perfeitamente capaz de independência e de progresso intelectual. Era bom. Era mesmo muito bom. Na sua nova condição, Mafalda resplandecia.
Até que Schubert lhe anunciou que estavam prestes a chegar ao tal destino perigoso, e lhe perguntou com a maior delicadeza se ela seria capaz de dar um grande beijo a cada rapaz, para lhe dar coragem.
-- Qual beijo! -- respondeu Mafalda, toda despachada – Faz-se mas é já para aqui uma geral, que eles bem merecem e eu, por ti, não me importo nada desde que estejas a ver.
-- Não – respondeu o capitão-de-fragata com firmeza – O beijo já está mesmo no limite, e é só mesmo porque metade destes rapazes vai morrer de certeza. A geral está fora de questão.
-- Mas porquê? -- perguntou Mafalda, surpreendida com a súbita veemência dele.
-- Porque isso nunca ficaria bem na vida da Senhora Heinrich von Schubert – respondeu ele sem a mínima hesitação.
-- Quem é essa? -- perguntou Mafalda, já muito confusa.
Ele pôs-lhe as mãos nos ombros, puxou-a para mais perto de si e olhou-a firmemente nos olhos.
-- Serás tu a partir de amanhã, se quiseres. Mafalda, estou a pedir-te em casamento. Sempre evitei compromissos com mulheres, mas, desde que te conheci, tudo me leva cada vez mais a crer que, os dois juntos, formamos uma equipa imbatível. Então? Queres ser a minha companheira, amante e amiga durante o máximo de tempo possível?
No dia seguinte Mafalda distribuiu uma generosa rodada de linguados perfumados e saborosos a todos os rapazes, e a seguir foi ao quarto vestir o único vestido branco que trazia nas malas. Por acaso era todo vaporoso, sem alças, e com a saia muito rodada, o que o tornava deveras adequado à situação. Enfeitou-se com o colar de pérolas de quatro voltas, mas depois achou que, para celebrar a sua parceria com aquele homem de acção, devia mas era ir de cabelo solto ao vento, sem qualquer maquilhagem e nem mais uma jóia. A ideia era formalizar a ruptura com a sua vida antes de entrar no submarino alemão.
Schubert esperava-a no deck com a farda de gala, e a boda, celebrada pelo capelão de bordo vestido à civil, foi deliciosa. A marujada estava toda de lágrimas nos olhos. Não puderam trocar alianças, mas fizeram os votos todos. Quando chegou a parte de o noivo poder beijar a noiva depois de oficialmente declarados marido e mulher, toda a gente bateu palmas e desatou a soltar gritos de guerra, depois do que um começou a tocar concertina e os outros se puseram a dançar. Os recém-casados entraram na dança e Mafalda ainda tratou de distribuir mais uns bons linguados às tropas. Noite de núpcias e lua de mel estavam obviamente fora de questão, mas ainda deu para os dois recolherem ao quarto durante três horas. Os outros ficaram cá fora a cantar uma serenata afinadíssima, enquanto eles, lá dentro, completamente pedrados, praticavam sexo tântrico em silêncio absoluto.
Na madrugada seguinte havia terra à vista.
-- Vamos começar o desembarque, anunciou Schubert à sua esposa feliz – O chefe é o último a sair, e, dadas as circunstâncias, é melhor a mulher do chefe vir com ele. Veste uma farda e anda lutar comigo. Tenho a certeza de que te vais sair bem. Até lá, porque favor, fica aqui sossegadinha no quarto e não saias. O Helmut traz-te o pequeno almoço. Mas não metas conversa. Estas manobras são extremamente complicadas e toda a gente tem que estar no máximo da sua concentração para a missão não abortar antes mesmo de começar.
Mafalda, que desde que falava fluentemente alemão andava a devorar o Doutor Fausto com toda a gula e ainda não tinha chegado ao fim, concordou imediatamente. Mas não pôde deixar de perguntar.
-- Ó parceiro, diz-me só o que é que estamos exactamente a fazer, só para eu não meter água.
O feliz esposo encostou-se à porta numa fracção de segundo de hesitação. Depois endireitou-se e olhou para para a mulher resplandecente de orgulho.
-- Estamos a ter o privilégio de sermos os eleitos para iniciar a invasão da Rússia!
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